10 agosto 2012

Pistas


Faz hoje exatamente...muitos anos :)
Eu com os meus 5 ou 6 anos, na maior feira anual da terrinha.
A passear com o pai e a mãe e a ver os brinquedos expostos nas barracas dos feirantes.
A mãe deixa-me analisar os brinquedos expostos e vendo-me a contemplar todos os carrinhos que se encontravam alinhados à espera que uma criança os escolhesse, ainda tenta fazer com que o meu olhar se vire para um baldinho e uma esfregona pequeninos (que era o que todas as meninas da minha idade pediam), mas percebendo o meu desinteresse e hesitação lá pergunta:
- O carrinho ou o baldinho?
Tendo eu escolhido o carrinho, esta é uma das histórias que pelos anos fora a minha mãe foi contando, dizendo que eu sempre fui uma "Maria rapaz"!

Hoje, em conversa telefónica com a minha mãe, ela relembrou-me que este tinha sido dia de feira grande de Agosto e eu em tom de brincadeira perguntei-lhe se lá havia baldinhos e esfregonas, tendo ela rido com a questão.

Curioso como algo tão simples diz tanto sobre mim, com tantos episódios/pistas, tais como: aversão a saias/vestidos, brincadeiras sempre com rapazes, muito desporto, nenhum namorado apresentado lá em casa, várias amigas a passarem lá férias e outras tantas situações que, apesar de serem uma imagem pré concebida que nem sempre é sinónimo de homossexualidade, no meu caso realmente representa quem sou e pode ser visto como tal que não se enganam.
Não digo que a 100 metros consiga fazer disparar o gaydar das mais atentas, mas a 10 metros, penso eu, já não há que enganar :)

Tudo isto para refletir sobre o facto de ainda não ter sido nestas férias na terrinha que saí do armário. 
Apesar de todos os episódios vividos ao longo do meu processo de crescimento, apesar de todas as pistas, nunca o assunto homossexualidade surgiu a discussão.
O erro é meu porque não assumo, mas não posso crer que eles nunca tenham colocado essa hipótese e se tal o fizeram, poderiam propiciar uma situação de diálogo que me fizesse sentir à vontade para contar.
Se não o fizeram provavelmente é indicativo de que preferem não saber.
E sinto que enquanto não resolver este assunto, enquanto não for completamente honesta não serei totalmente feliz.


Nota: Porra! Tenho quase 40 anos e neste assunto, com os pais, pareço uma criancinha!

7 comentários:

POC disse...

É sempre um assunto delicado em família...
Eu, de há uma ano para cá, tenho resolvido "assuntos" que me atormentavam, exactamente por não falar deles. O eterno dilema, sentir-se-ão mais tristes por saber, ou por nada contar, quando era mais que sabido a existência de alguém...

É um alivio quando as coisas são esclarecidas, e no meu caso, tive a sorte de a coisa correr pacificamente.

Ainda hoje, a minha mãe me contou que em conversa com a minha madrinha (de 80 anos!), ela tb já o tinha percebido e aceitou. São uns 50kg que saem dos ombros!

Don't worry, a seu tempo a coisa proporciona-se. :)

a ana do 2º esquerdo disse...

a mim quem facilitou a coisa foi o meu amigo candeias. se quiseres ele passa pela tua terrinha e trata do assunto....
o que aprendi ao longo dos anos, na minha (con)vivência foram 2 coisas:
1- eles sabem sempre
2- (esta opinião é pessoal e está directamente ligada à minha vida familiar actual)
não acho justo que o processo de comming out seja feito por eles.e nao esperar que sejam eles a 'descobrir' ou dar o passo para.
se queremos que eles saibam temos que ser nós a contar. nem que seja por nos orgulharmos de ser quem somos...

mas a mim foi 'fácil' o candeias tratou do assunto.

Anónimo disse...

O que é que estás/ão à espera?!
7 anos é muito tempo para se esconder uma verdade que só a voçês interessa.
Sejam felizes!

Carla |O| disse...

Nós cá em casa tivemos duas experiências diferentes. Eu, como a única pessoa a quem, de certa forma, devia satisfações ou, pelo menos, fazia questão que participasse da minha vida sem véus e que era a minha mãe, já não existia quando começámos a nossa relação por isso não me senti pressionada a contar a ninguém ou a deixar de contar. Conto a quem eu quero, quando quero. O meu pai já vive muito no mundo dele e saber ou não saber é a mesma coisa e o meu irmão é o meu irmão. “Está nem aí.” 

As coisas para a minha companheira foram um pouco diferentes. Para ela contar era imperativo. Não contar, continuar a falar de mim como uma amiga, eu continuar a aparecer como uma amiga, chocava com os princípios de honestidade que sempre estiveram presentes na relação dela com os pais e dos pais com ela.

Quando lhes contou sobre nós – levávamos já dois anos de relação - a reacção deles não foi bem o que ela esperava. A notícia não surgiu como uma surpresa mas, para eles, o ideal teria sido manter a coisa como um “não assunto”. Como algo que está ali mas se finge não ver. Ainda assim, na minha opinião, a atitude deles não foi, de todo, negativa porque, apesar de não entenderem completamente, apesar de não aceitarem completamente, ainda que lhes fazendo confusão, disseram-lhe que a vida era sua e que ela deveria vivê-la da forma que achasse melhor.

Em termos práticos isto significou que o elefante ficou especado no meio da sala, que se choca com ele frequentemente, mas que se continua a fazer de conta que não se vê. E há que respeitar isso. Claro que faz três anos que eu não me cruzo no caminho dos pais dela – e isto porque não há porque os afrontar – e porque há que respeitar a dificuldade que eles têm em entender e há que lhes dar tempo para se habituarem à ideia ou não se habituarem à ideia. A forma que eles têm de nos respeitar é não interferindo nem chantageando. Deixando-nos viver a nossa vida. E isso também está bem. Tudo o resto é uma questão de tempo. Não morri para eles, apenas vou existindo à distância.

Quanto à minha companheira o facto de ter contado tirou-lhe um peso de cima dos ombros, a angústia que sentia desapareceu. O desapontamento inicial que sentiu pela reacção deles já passou, a relação dela com os pais não foi penalizada, teve uma surpresa positiva no apoio incondicional que a madrinha lhe deu e cá estamos, cinco anos e muitas vidas depois.

E, independentemente da idade que temos, perante os nossos pais vamos sempre sentir-nos como se ainda fossemos crianças e tivéssemos acabado de partir qualquer coisa.  Tens de agir de acordo com a tua consciência, coisa que já sabes,  e talvez deixar de ser um pouco dura contigo mesma e relaxar. Há coisas sobre que é complicado falar, mesmo quando são coisas boas como o amor. E há coisas que parecem óbvias mas só se percebem quando alguém no-las aponta ou as apontamos nós. A verdade é que não sabemos o que o outro pensa, pensou ou pensará até o escutarmos. E fazer isso é um risco que tem consequências. O que se pode desejar é que sejam positivas. Se não forem… não são nada que o tempo não cure.

Nina disse...

Minha amiga, somos sempre umas crianças perto dos nossos pais seja com 4 ou com 40. Se isso é obstáculo à tua felicidade, força! Só tu sabes como é a tua relação com os teus pais.

cegonhagarajau disse...

Agradeço as palavras de todas, de facto é algo que me atormenta, de facto faz-me sentir incompleta, mas é difícil perceber se ao ser verdadeira não estarei ao mesmo tempo a ser egoísta...
Quanto às consequências...se não forem positivas, será que o tempo que lhes resta é suficiente para curar e aceitar?
Aí está o verdadeiro risco!
Abraço a todas.

SílviaG. disse...

Identifiquei-me tanto com este teu post! Eu sinto-me igual, namoro há 2 anos e não tive coragem ainda de sair do armário. É uma situação stressante e se por um lado penso, a minha mãe sabe, por outro é complicado ter A conversa.

SílviaG.